terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Cultive a Inteligência - Quem são seus Heróis de Verdade?

Em 'Heróis de Verdade', o escritor combate a supervalorização das aparências, diz que falta ao Brasil competência, e não auto-estima.

A revista ISTO É publicou esta entrevista de Camilo Vannuchi. O entrevistado é Roberto Shinyashiki, médico psiquiatra, com Pós-Graduação em administração de empresas pela USP, consultor organizacional e conferencista de renome nacional e internacional.

ISTO É - Quem são os heróis de verdade?

Roberto Shinyashiki - Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu à pena, porque não conseguiu ter o carro, nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa, possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitiram que erraram.

ISTO É - O Sr. citaria exemplos?

Shinyashiki - Dona Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê nem aparece de Cartier, mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meu heróis.
Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito '100% Jardim Irene'. É pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como o Japão, a Suécia e a Noruega, há mais suicídio do que homicídio.

Por que tanta gente se mata?

Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher, que embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego, que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.

ISTO É - Qual o resultado disso?

Shinyashiki - Paranóia e depressão cada vez mais precoce.

O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa que prepara uma criança para o futuro, é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo.

ISTO É - Por quê?

Shinyashiki - O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas. Contratei-a na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.

ISTO É - Há um script estabelecido?

Shinyashiki - Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de multinacional no programa 'O Aprendiz'?

- Qual é seu defeito?
Todos respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: - Eu mergulho de cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar. É exatamente o que o Chefe quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. O vice-presidente de uma as maiores empresas do planeta me disse: 'Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir'. Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor!

ISTO É - Temos um modelo de gestão que premeia pessoas mal preparadas?

Shinyashiki - Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se preocupam com conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função, para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso, para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.

ISTO É - Está sobrando auto-estima?

Shinyashiki - Falta às pessoas a verdadeira auto-estima.

Se eu preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser, nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parecem que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil, que preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.

ISTO É - Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos em tudo e de valorizar a aparência?

Shinyashiki - Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: 'Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de diarréia duranta um jantar no Palácio de Buckingham'. Pode parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis, porque se o super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.

ISTO É - O conceito muda quando a expectativa não se comprova?

Shinyashiki - Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula, em parte porque acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é delas.

ISTO É - Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?

Shinyashiki - Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma criança especial, eu aprendi que, ou eu a amo do jeito que ela é, ou vou massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro, que não deu certo. Um amigão me perguntou: 'Quem decidiu publicar esse livro?' Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.

ISTO É - Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?

Shinyashiki - O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas: A primeira é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno. Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B. King ou o Keith Richards. Os MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades.

ISTO É - Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?

Shinyashiki - A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se eles não tivessem significados individuais. A segunda loucura é: Você tem de estar feliz todos os dias. A terceira é: Você tem que comprar tudo o que puder. O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura: Você tem de fazer as coisas do jeito certo. Jeito certo não existe. Não há um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para o sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz, enquanto não casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você pode ser feliz tomando sorvete, ficando em casa com a família ou com amigos verdadeiros, levando os filhos para brincar ou indo à praia ou ao cinema. Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior parte pega o médico pela camisa e diz: 'Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei à vida inteira, agora eu quero aproveitá-la e ser feliz'. Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis. Uma história que aprendi na Índia me ensinou muito. O sujeito fugia de um urso e caiu em um barranco. Conseguiu se pendurar em algumas raízes. O urso tentava pegá-lo. Embaixo, onças pulavam para agarrar seu pé. No maior sufoco, o sujeito olha para o lado e vê um arbusto com um morango. Ele pega o morango, admira sua beleza e o saboreia. Cada vez mais nós temos ursos e onças à nossa volta. Mas é preciso comer os morangos.

Nota: Eu recebir essa matéria por email, mas tenho por hábito verificar a veracidade de tudo que recebo por email. É uma maneira de conferir se nada foi modificado e passar informação sempre fiél ao leitor, e também indicar a fonte, dando os merecidos créditos a quem é de direito.
Essa Entrevista foi publicada na revista Isto É no dia 19/10/2005.



A atualidade dessa verdade parece que vai perdurar por muito tempo, o que me dá a certeza de que somente uma educação voltada para os questionamentos e sem amarras ideológicas pode levar o ser humano a ser melhor. O atual modelo é medíocre, e forma em sua maioria marionetes e ventríloquos do(s) poder(es), enraízados em todos os setores da vida social.
Cultive sua inteligência!

4 comentários:

Anônimo disse...

Excelente entrevista. E verdadeira. Heróis mesmo são os que vivem (principalmente por aqui) com um salário mínimo e não se corrompem. Vivem suas vidas com honra mesmo nas mais terríveis dificuldades.

Anônimo disse...

Muito bom isso, concordo com tudo o que está escrito, vivemos numa sociedade cada vez mais voltada para a aparencia, o exterior se sobressai muito mais do que o interior, vc pode ter um talento extraordinário, mas se não for aparentemente rentavel ou não estiver nos moldes, fica pra trás e perde seu espaço pra pessoas que fingem ser melhores, fingem ter mais conhecimento, sendo que por dentro, tudo não passa de uma teia de mentiras e é só aparencia.
Como disse o amigo ai, Arthurius, o verdadeiro herói é aquele que apesar das dificuldades que a vida lhe impôs, segue com sua honra e com sua determinação pra trazer uma vida melhor, não só a ele, mas aqueles que estão ao seu redor também.

Anônimo disse...

Muito bom o texto...e heróis na minha opinião são todas as mães que criam seus filhos pra um mundo tão irresponsável como o nosso...essas sim, são as verdadeiras heroinas!!!

Anônimo disse...

Meu pai era um homem que tinha apenas o primário. Começou a trabalhar na IBM, como aprendiz e depois de ter seus filhos, estudou e se formou e chegou a gerente.
Nunca foi rico, mas sempre estudei nos melhores colégios. Morreu aos 42 anos em um acidente
automobilístico.
Para mim ele é meu grande héroi, que tinha defeitos e fraquezas como qualquer outro ser humano têm, e mesmo assim foi exemplo de dignidade e de superação.
Talvez seu eu fosse filha de um político rico e corrupto, não teria o caráter que tenho hoje.
Não teria a Honra e o prazer de dizer que meu pai me deixou o que de melhor pode se deixar a um filho educação e exemplo de conduta.

Obrigada Cavaleiro "Arthurius" meu grande ídolo da blogosfera, Drezinho e Isabella, pela visita e comentários de vocês.